13 julho 2009

Fechar os olhos e recordar.

Há momentos que por razões puramente orgânicas e desconhecidas nos ficam registados na memória sendo que como é óbvio parte deles têm a ver com fracções de tempo em que as papilas se viram estimuladas.
O primeiro terço da minha vida passou-se (e que bem se passou) em África, mais concretamente na actual Republica Democrática do Congo ou ex-Zaire. Fertilidade é o que me invoca aquele ar húmido, quente, tropical, carregado de cheiros de vida, orgânicos. O calor que se faz sentir certamente ajudará à propagação desses odores que sem dúvida marcam qualquer um que por lá tenha passado. Imaginem a qualidade dos produtos desta terra, nem era preciso ir ao supermercado ou ao mercado, os vendedores ambulantes vinham a casa.
Por estes dias e enquanto lia um livro já referenciado num dos post`s anteriores lembrei-me de um desses momentos de que vos falava. De repente veio-me à cabeça a primeira vez que emborquei (literalmente) uma muamba de galinha. Digo emborquei porque na altura devia andar pelos 8-9 anos e devia pesar uns bons 10 Kg a mais do que recomenda a OMS. Lembro-me ainda de ser descrito por uma conhecida (ou seria desconhecida) como “Gordo e anafado”, hehe. Enfim outros tempos. Vamos à muamba que é o que interessa. Aconteceu num local de ócio domingueiro nas margens de um dos pequenos afluentes do poderoso Rio Zaire. Cada grupo ocupava uma palhota onde à mesa os “grandes” passavam tranquilamente o dia, enquanto os miúdos brincavam na margem do rio. Lembro-me perfeitamente da areia, a água acastanhada que corria, da pequena cascata que se formava entre dois pedregulhos e que dava o nome ao local, “Les petits chutes”, foi também aqui que perdi os meus primeiros óculos de mergulho.
A muamba zairense é diferente da muamba angolana pelo que pude averiguar. No ex-império de Mobutu consistia num estufado de galinha lentamente guisado numa polpa de frutos de palmeira ao qual certamente se adicionariam outros produtos. A dita polpa conseguia-se pelo esmagamento num pilão enorme de uma determinada quantidade dos ditos frutos. Essa pasta depois é utilizada para fazer o saboroso molho que dará identidade ao prato. Outros pormenores não posso acrescentar, porque na altura depois de terminado o prato a preocupação maior era saber quando o poderia comer outra vez.

10 julho 2009

Som do telemóvel a tocar....

Tudo começa com um telefonema ao início da semana, o tom de voz é familiar e a pergunta não costuma variar muito, “Holá José! Este final de semana estás livre?” dão-te ma morada, uma hora e por vezes até uma password…

Dito assim mais parece que estamos a ser convocado para mais uma reunião secreta estilo “Eyes wide shut” para tocarmos um piano de venda nos olhos, ou nos tempos que correm para umas das ego-festas Berlusconianas…

Não, não é nada disso. Há um ano atrás e algo saturado da minha rotina de taxónomo e necessitado de algo mais pragmático resolvi candidatar-me a uns quantos postos de trabalho de ajudante de cozinha; acabei a trabalhar num catering. De casamentos a festas de grupo, de congressos a feiras dos mais diferentes produtos. Lá vamos nós com caixas e caixas de canapés, entradas, pratos principais e sobremesas…
Até hoje o maior evento em que tinha participado era de 183 pessoas mais 4 crianças e tinha sido bastante caótico porque o responsável de turno era um gajo que de cozinha percebia bastante mas de gestão de tempo e grupos era pior que o Hulk a dançar sevilhanas…

Pois ontem foi diferente, não era fim de semana e os comensais eram 1700!! Imaginem a quantidade de tostinhas de Roquefort com cebola confitada me passaram pelas mãos, blinis de salmão com rebentos de soja, coca de esqueixada, coca de vegetais, barrinha de massa folhada envolvida no mais fino lençol de jabugo, croquetes de rovellons, brandada de bacallá, paellas, fideos, saladinha disto saladinha daquilo, e por aí fora…

Mas o mais interessante era o ambiente dentro da cozinha. Uns 20 personagens qual deles o mais particular a tentar seguir as instruções de um cheff. Ali há de tudo, desde biólogos como eu, a estudantes de moda, paquistaneses de passagem, aspirantes a cheff, actores que não passaram da figuração, e muita gente que em tempos de crise tem que completar a mesada para poder pagar a prestação da casa, que acreditem aqui sai pelos olhos da cara.

Se normalmente há um cheff, ontem eram 5 cheffs normais (todos com a sua área de acção bem delimitada) e um cheff napoleónico, daqueles que quando abre a boca todos calam. Uma orquestra de pedidos (mais bem ordens) que tinham um tempo de resposta curto a bem do subalterno… A paródia era garantida para quem consiga acompanhar o ritmo.

O momento ocorreu às 21.45 quando a maior azáfama já tinha passado e o dito chefe dos cheffs, aparece com um tabuleiro carregadinho de chávenas de café com qualquer coisa que parecia um capuccino. Parou à entrada da cozinha e vociferante, ordenou um descanso de 3 minutos (180 segundos), fosse qual fosse a urgência do prato que tínhamos à nossa frente, e um por um foi passando por todos e deixando uma das chávenas.
“Bom trabalho, prova isto, desfruta e prepara-te porque a seguir há que arrumar esta •$%#@! toda”. Acabamos eram 1.15 da mañana.

Pelo que pude averiguar faz-se assim. Uma chávena de café, uma pequena bola de gelado de chocolate, coberto por uma espuma de Bayley´s … deve beber-se de “um trago”… ou sorver bem devagar…